Amor entre Deuses
- Jéssica Marques
- 17 de abr. de 2020
- 7 min de leitura
Olá, Leitores!
“Turu Bom”?
Já parou para imaginar como seria um romance entre deuses da Vida-morte-vida e da morte? E se houvesse um triângulo amoroso entre essas criaturas e o barqueiro das almas Caronte? Bom esse foi o meu primeiro pensamento enquanto lia a análise do conto A Mulher Esqueleto feita pela Clarissa Pinkola Estés no livro As Mulheres que Correm com os Lobos.

Essa ideia foi se desenvolvendo durante boa parte da minha graduação em Cinema de Animação e tentei fazer dessa ideia o meu projeto prático e teórico de TCC. Mas como para a produção do curta a ideia ainda era muito embrionária e complexa, decidi fazer parte de outros projetos mais executáveis e transformei essa temática alegórica do amor e da morte como o tema do meu TCC teórico. Enquanto isso, fui amadurecendo esse roteiro na minha mente e consolidando sua melhor versão para ser traduzida em uma animação futura. Durante esse processo preciso ressaltar que adicionei tantas outras referências à narrativa que nem considero que o roteiro desenvolvido nem pode ser considerado uma adaptação direta do conto, e sim. inspirado em seu universo simbólico.
O roteiro tem alguns anexos na sua produção, como a backstory(história de origem) dos personagens e alguns sketches (rascunhos) de como seriam o visual dos personagens, que postarei no instagram. E antes de abrirmos as cortinas para esse espetáculo alegórico, gostaria de pontuar que os personagens e todos os elementos apresentados tem várias camadas de interpretação, tais como o Cemitério dos Livros Esquecidos, o desenrredar da Pesta, a lágrima, as acácias e por aí vai… Caso lhes interesse deixe nos comentários se querem um post destrinchando todos esses elementos narrativos que faço em um futuro próximo! E sem mais delongas: Respeitável público… Com vocês: Mortem!

Curta Mortem
por Jéssica Marques
Créditos em formato de ossos que emergem de uma porção de água formando o Título do Filme: “Mortem”.
EXT. Parque Güell e arredores - ENTARDECER
Os bancos da parte superior do Parque, feitos com mosaicos, fazendo uma diagonal imaginária entre os mesmos.
V.O(YAMA)
Em uma Barcelona não tão distante, um
velho novo mundo se apresenta…
Descendo, em direção às escadarias, tem as colunas abaixo dos bancos. No centro das escadarias a escultura de mosaico colorido de um lagarto.
V.O(YAMA)
O cemitério dos livros esquecidos, mais
velho que toda a cidade junta, mas com
mais vida que qualquer outro lugar.
Aproximando-se da boca do lagarto, cria-se um redemoinho de ladrilhos coloridos,assim como os do mosaico dos bancos do parque, que nos levam ao RIO AQUEONTE - o rio do conhecimento de todas as culturas e povos, que é formado por livros de todas as épocas.
O Rio Aqueonte possui uma baía com montanha de caveiras - que visto de cima tem a forma de uma fenda, com um ponto preto andando nele.
INT. Rio Aqueonte - NOITE
Com a baía com montanha de caveiras ao fundo desfocada,e o barco em que vive o CARONTE - barqueiro das almas,introspectivo impulsivo e apaixonado que tem uma túnica negra com chamas azuis-avermelhadas e um chapéu que lhe cobre metade da face - navega da lateral esquerda para a direita. Esse barco é preto, possui um lado muito baixo em oposição a uma calda muito alta, com o estilo dos barcos Venesianos,com uma âncora na ponta mais alta.
Caronte está pensativo e triste, bufando,tirando bem me quer, mal me quer com uma acácia branca esperando as almas chegarem. Logo começa uma melodia feita por uma voz feminina capaz de enfeitiçar qualquer indivíduo.
Ao som do canto da PESTA JOVEM - Deusa da Vida-morte-vida, negra com cabelos pretos e longos com um vestido longo de cor vinho que favorece a suas curvas femininas e com uma coroas de acácias brancas na cabeça e um rosto cheio de marcas como se fosse uma caveira mexicana; que possui uma personalidade indecisa e que sempre carrega um baú a tiracolo - o barco avança no rio de livros esquecidos.
As mãos de Caronte movimentam uma pá para dentro do rio. Após duas remadas Caronte pára o movimento.
O rosto e depois os olhos de Caronte estão em foco. As íris vermelhas em forma de um coração pulsando, de onde vemos o reflexo, em silhueta, da Pesta caminhando em linha reta. Com algumas piscadelas Caronte se levanta e cumprimenta Pesta com uma reverência com seu chapéu.
Caronte
Buenas noches Pesta, cariño mio
Pesta
No me llames así acá, Caronte. O Yama
pode ouví-lo e sabe-se lá o que faria
se soubesse -
Caronte
(contrariado)
Está certo...Vamos que temos uma longa
noite pela frente.
Ao som de tambores em ritmo de músicas africanas, as almas andam pelo ar, como numa escada imaginária,em fila atravessando a parte alta do barco, já como fantasmas,em tons
azul-esverdiados,com vestes da idade das pedras. Quando eles chegam na outra margem do rio, são mergulhados, pela Pesta, no Rio Aqueonte. A cada alma mergulhada, Pesta vai se transformando em uma anciã coberta de redes de pescador pelo seu corpo. Ao final da noite...os tambores cessam e com isso vemos Caronte se deslocar até Pesta, que se encontra no rio inconsciente,com redes de pesca ao redor de todo o corpo. Caronte carrega Pesta nos braços.
Do alto, Caronte deita Pesta dentro do barco.
INT. Barco - AMANHECER
Caronte inicia o processo de tirar as redes de pesca (desenredar) do corpo inteiro da PESTA VELHA - negra cheia de rugas, com o corpo esquelético,ossos quase aparentes com a mesma roupa dela jovem, apenas com alguns rasgos e a coroa de acácias brancas podres - e desacordada,mas passamos a ver o caminho que suas mãos fazem durante o trabalho.
A cada rede tirada/cortada, mostra-se um flashback do relacionamento deles.
1ª Rede (FLASHBACK)
DEUS YAMA - Deus da Morte, que comanda o Submundo; Ciumento, amargurado, literalmente sem coração(com um buraco no peito); Um meio homem meio touro,com traços que remetem a ossada um touro com um triângulo branco na testa, com uma coroa de caveiras e corpo humano - criando o Caronte a partir de uma máscara de bronze, modelando com as mãos e depois soprando a estátua.
2ª Rede (FLASHBACK)
Caronte e a jovem Pesta estão bem próximos alheios ao redor.E ao fundo vemos a silhueta de Yama se afastando bem no centro da imagem,formando um triângulo no centro do enquadramento.
3ª Rede (FLASHBACK)
Da escuridão surge Caronte, com a sombra branca em forma da silhueta do Yama, entrega seu coração retalhado para Pesta velha,que o guarda dentro do baú a tiracolo.
Fade out dos Flashbacks
Um dos olhos de Caronte está vertendo uma lágrima. Acompanhamos o caminho dessa gota até um novo mundo.
INT. Gota
A gota cai no oceano e sua reverberação com a forma da boca da Pesta. Ainda dentro da aproximação, em forma de espiral, da escuridão da parte interna da boca surge o mesmo coração retalhado do flashback pulsando no mesmo ritmo dos tambores africanos que anunciam a entrada de novas almas no Submundo de Barcelona.
INT. Rio Aqueonte - NOITE
Ao som de tambores, as almas andam pelo ar, como em uma escada imaginária, em fila atravessando a parte alta do barco já como fantasmas,em tons azul-esverdiados,com vestes romanas e gregas. A cada alma mergulhada, Pesta vai se transformando em uma anciã coberta de redes de pescador pelo seu corpo.
Caronte deita Pesta dentro do barco visto de cima.
A cada rede tirada/cortada, mostra-se um flashback do relacionamento deles.
4ª Rede (FLASHBACK)
Caronte afaga o rosto de Pesta jovem e suspira. Pesta logo abre uma distância entre eles. Mas Caronte se aproxima novamente e lhe entrega uma acácia.
Caronte tenta cortar a 5a rede, mas essa não se solta facilmente da fechadura do baú-bolsa. Caronte força tanto a fechadura, que o baú é lançado para dentro do Rio Aqueonte.
Caronte usa seu remo no resgate do baú.
Nesse processo quando consegue colocar o baú de volta dentro do barco acaba tocando o mesmo ainda molhado pelas águas Rio do Conhecimento
A silhueta de Caronte, em um flash de conhecimento, se vê abrindo o baú com seu remo e saindo uma luz avermelhada de lá de dentro
Caronte pega seu remo e abre o baú e vê essa mesma luz avermelhada de visão anterior
Uma das mãos de Caronte segura o baú, tremendo de ansiedade, enquanto a outra se aproxima do coração retalhado.
Ao tocá-lo faz-se o redemoinho de ladrilhos coloridos,assim como os do mosaico dos bancos do parque que o transporta para outro ambiente dentro do Submundo.
INT. Salão Nobre do Submundo - ENTARDECER
Visão subjetiva do Caronte: Yama está sentado em seu trono feito de ossos. Ao seu lado, um pouco afastada está Pesta velha com o coração retalhado na mão.
V.O(YAMA)
Talvez você esteja se perguntando como
sei essa história surreal...Pois bem,
eu era esse cara que entregou seu
coração a
Há um giro de câmera e o foco dessa conversa passa a ser a Pesta Velha, mas com a silhueta da sua forma jovem, de braços abertos para receber o coração do Yama.
V.O (YAMA)
essa selvagem mulher, sem
reservas.
(pausa)
Nessa parte da nossa trajetória infinita
tenho um novo nome.
(pausa)
Prazer, Yama, Deus da Morte.
Os tambores tocam novamente
Yama
(Ironicamente)
O dever lhe chama,querida…
Pesta sai do salão colocando o coração no seu baú a tira colo.
Pesta
Espero que saiba no que se transformou
e as consequências dessa escolha,Yama.
Pesta já se encontra no caminho do Rio Aqueonte.
De dentro dos olhos do Yama, Caronte esmaga o coração retalhado do antigo Deus Yama
Caronte
Finalmente Pesta será minha por completo
enquanto o antigo Yama, ajoelhado ao seus pés, suplicava
Yama
Acredite... você se arrependerá
amargamente com a minha morte
As mãos de Caronte ao esmagar o coração vão se transformando nas do Deus Yama
O novo Deus Yama, ainda com a postura de Caronte, se pega sorrindo em comemoração ao seu maior sonho sendo realizado.
Yama
Mi Pesta! Mi eterno amor! Agora sim unidos pela eternidade...
Yama vê seu reflexo em uma máscara de bronze do Salão Nobre
Através da máscara de bronze, sua expressão de felicidade se transforma em horror e incredulidade.
Suas mãos trêmulas, com a aparência metade do Caronte e metade do Deus Yama, deixam a máscara cair no chão
O metal ressoa até sua inércia.
[Silêncio absoluto]
Deus Yama assume sua nova postura retraída
Yama
(balançando a cabeça)
Agora eu compreendi suas súplicas…
As mãos do novo Yama transformando a máscara de bronze em uma miniatura do Caronte e logo depois soprando a mesma para que ela se transforme no novo Caronte.
O reflexo do novo Deus Yama esboça um mini sorriso de canto de boca
Yama
(respirando profundamente)
Afinal infelizmente temos que coexistir na eternidade.
INT. Rio Aqueonte - ENTARDECER
Agora na visão da Pesta vemos o Caronte fazendo o bem me quer, mal me quer com a flor antes das almas chegarem e sua mudança quando ela se aproxima cantando.
No momento em que ele pisca o filme acaba,entram os créditos, feitos de ossos, dançando ao som dos tambores em um ritmo de música africana.
FADE OUT
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