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JÉSSICA

MARQUES

3,2,1...Ação!

Olá, leitores!

Turu bom?


Sei que iniciei essa sessão do site com um tipo de leitura mais ampla, com contos e crônicas, mas gostaria de partilhar com vocês também um outro tipo de processo criativo que amo fazer e que espero que seja interessante para alguém ler: Estou falando da escrita de um roteiro cinematográfico! Você sabe como funciona essa modalidade?


Acredito que tal documento não é um senso comum, então vou apresentar os pontos básicos dessa estrutura para depois começar uma sequência de novos posts com outros roteiros e seus documentos auxiliares, que são utilizados como base na realização dessas produções. Mas se você já sabe essa parte pode ficar tranquilo que esse post ainda mostrará um dos meus roteiros originais, ao final da explicação, para que seja uma experiência completa para todxs =D!



Primeiramente, tudo começa com uma frase, a chamada storyline. Nem sempre é exatamente uma única sentença, mas com certeza ela apresenta os personagens e o conflito da trama que será desenvolvido nesse curta, média ou longa-metragem da forma mais sucinta possível.


Desse ponto ampliamos a narrativa e demonstramos todas as ações relevantes que aconteceram na história. Nessa hora a regra nem sempre é a mesma para todos os roteiristas. Eu, por exemplo, alterno meu processo entre escrever as cenas já com diálogos e todas as descrições de ângulos sem os nomes técnicos e alguns desenhos de plantas do meu cenário imaginário e dos objetos importantes da trama, para que a minha visão seja compartilhada com as outras pessoas do processo da forma mais acessível para todos os envolvidos na produção.


Ainda sobre essa acessibilidade vou deixar aqui o significado de algumas abreviaturas que são técnicas para a produção saber como será cada take (tomada), mas que vão aparecer em boa parte desses documentos. O primeiro de tudo é que a cada cena é de praxe colocar um cabeçalho com as informações se a cena é uma interna (INT) ou externa (EXT); seguida da locação e terminando com a informação da hora do dia (NOITE/DIA/ENTARDECER/AMANHECER...). Após esse cabeçalho vem uma breve descrição da cena, sempre escrita no presente do indicativo, e que quando cita os personagens envolvidos pela primeira vez no texto, eles são escritos EM CAIXA ALTA seguidos de uma descrição física e talvez emocional entre travessões. Se houver diálogos eles serão colocados centralizados e com o personagem que fala antes da fala. Se essa fala for feita apenas pela voz do personagem, ou seja, uma narração, tem-se a sigla (V.O), que significa voice off. Entre uma cena e outra pode haver algumas anotações sobre o áudio do filme (TRILHA CALMA/SILÊNCIO ABSOLUTO...) e sobre as formas de edição (CUT TO ou corta para /FADE IN ou surgir / FADE OUT ou desaparecer...).


Bom se você chegou até aqui nessa leitura é porque ficou curioso com qual será esse roteiro inédito que vou mostrar,né? “hehe”. Pois bem lhes apresento o meu último projeto até essa data: o Curta-metragem Frigobar!


Esse roteiro foi o projeto interdisciplinar das aulas de Laboratório de Roteiro e Tradução Intersemiótica das professoras Joana Rennó e Mônica Toledo, respectivamente. E possui alguns documentos complementares que auxiliam em sua compreensão que postarei em breve no meu instagram então se você gostar da história fique ligado lá também!




Curta Frigobar

Escrito por Jéssica Marques


1 INT KITNET DIA

Um cômodo iluminado por uma única janela na parede contrária a porta. A kitnet tem um balcão que divide a "cozinha" do resto do cômodo que tem poucos móveis: apenas uma TV de tubo de 14 polegadas em cima de um frigobar e um colchão no chão. ELIAS -20 ANOS,FECHADO E CARRANCUDO- escuta a campainha e vai atender a porta com um avental branco limpíssimo sob o corpo. GLÓRIA- 90 ANOS, CORCUNDA, BAIXINHA, EXTROVERTIDA, DESASTRADA E AVÓ DE ELIAS - entra como um furacão carregando um boi inteiro nas costas, batendo ele no batente da porta, e o descarrega no meio da kitnet, entre o frigobar e o colchão, com seus lençóis alvejados.


GLÓRIA


Dá licença que o pesado tá passando!


ELIAS

Mas--


GLÓRIA


Já até sei o que vai dizer e não adianta

Vai ter que caber até o dedinho do pé desse boi aí, viu?


ELIAS


C tá doida?! É um boi inteiro!


Glória suspira e fecha os olhos por um instante. Elias não consegue esperar por uma resposta e recomeça uma nova abordagem.


ELIAS


Vó Glória, como que a senhora --


GLÓRIA

Senhora tá no céu !


Elias ainda segurando a maçaneta da porta enquanto Glória já está cortando o boi com uma faquinha de canivete suíço, entre o colchão e o frigobar, no chão da kitnet.


ELIAS

(revirando os olhos)


Perdão, vó! Eu só queria saber como que você subiu as escadas com esse treco enorme.


GLÓRIA


Não me venha com essa, porque vi essa revirada de oio aí, hein?!Deixa de papo furado e para de fazer corpo mole rapazinho!


ELIAS


Aff! Você nem me respondeu e eu aqui preocupado com a sua saúde--


GLÓRIA


Sem mais um pio! Pega o facão em cima do balcão e só vem!


Da janela vemos Elias bufar enquanto fecha a porta com um chute e vai em direção ao balcão que divide a cozinha americana da sala e tira um facão pendurado na parede.


Os pés de Elias andam com passos lentos e pesados no chão, ainda branco, até Dona Glória, arrastando um facão atrás de si.


Mãos enrugadas de Glória trabalham rapidamente cortando o bovino.


Os azulejos do piso começam a sujar com um caminho de sangue.


Mãos de Elias tiram o couro do boi lentamente com o facão.


Manchas de sangue se formam embaixo de uma pilha de pedaços de carne já cortados. Mãos enrugadas de Glória entram em foco, tiram gorduras de dois pedaços de carne, com a pilha de carne ao fundo desfocada.


Mão de Elias ensanguentada acariciando o pelo do boi como se fosse grama.


ELIAS

(Respirando fundo)

Vó...Pra quê tudo isso?


GLÓRIA


Você tem medo de alguma coisa,meu fio?


ELIAS


Que papo é esse vó?! Coragem é meu sobrenome, sô!


GLÓRIA

Aham...sei


Elias sorri com a boca fechada, sem graça em meio à um SILÊNCIO SEPULCRAL


Montanha de pele em cima do lençol branco vai tingindo-o lentamente enquanto a mão de Glória joga mais um pedaço de carne em direção a câmera formando o FADE OUT que vem acompanhado do CHIADO DA TV SEM SINAL.


2 EXT JANELA DA KITNET ENTARDECER


O chiado da TV ainda está acontecendo. Dos quadrados da janela do apartamento a silhueta de Glória e Elias ajoelhados no chão cortando a cabeça do boi e tirando os chifres dele com a distorção das silhuetas demonstrando o movimento do sol se pondo.


(SILÊNCIO ABSOLUTO)


Desse ângulo distorcido, as sombras pontiagudas começam a derreter pela tela como um líquido preto indo pelo ralo.


A lateral do frigobar começa a vazar carne, aos poucos, pelas frestas da borracha da porta e caem pelo chão.


Da parede do colchão, de frente para o refrigerador, começa a transbordar um mar de carne que começa a entranhar nas paredes brancas da kitnet toda.


Flashes de azulejos com padrões variados, semelhantes aos portugueses, feitos de sangue intercalando com os mesmos feitos com tinta azul, branca e amarela limpos. intercalados com os mesmos azulejos com carne no lugar da tinta amarela.


Da parede do colchão vemos a silhueta do pico da montanha de carne em primeiro plano e o frigobar no centro da cena, rodeado de uma quantidade maior de carne.Aproximando aos poucos da tela de TV de tubo, que está ligada, com as barras coloridas e o SOM DO PIIIII de sem sinal.


FADE OUT


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© por Jéssica Marques

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